quarta-feira, 4 de março de 2009

Dançando Pigeon Detectives

Trancou a porta e colocou os fones de ouvido.
E a música começou, e se integrou ao mundo como se fossem uma coisa só.

Assim, durante sua caminhada, o cinza habitual ganhou um colorido raro, do tipo que não se vê por entre a fumaça dos carros e cigarros.
Andou até o ponto de ônibus, onde um homem vestindo seus trapos descansava deitado ocupando todo o banco, esquecido da vida que levava nas ruas, como se fosse o personagem de algum blues chorado pela gaita de alguém.
Do outro lado da calçada, a garota bonita andava cada passo de acordo com o ritmo da música, como se fosse a musa inspiradora. Ela lhe lançou um olhar com o canto dos olhos e continuou andando, desfilando por entre as pessoas que, apressadas, seguiam seus próprios caminhos.
Enquanto o ônibus não chegava, no semáforo um garoto fazia malabarismos com quatro pequenas bolas coloridas, que voavam por sobre sua cabeça, como se as 3 moedas que ele recebesse daquele seu público fossem a solução de todos seus problemas. Correu para a calçada quando o sinal abriu, dando espaço para que o balé de carros acontecesse. O garoto então colocou as moedas no bolso, guardou as quatro bolas em um saco plástico e saiu a caminhar. Afinal, por ora, seu show havia terminado. Assim, desapareceu pela esquina.
Olhou para o relógio, como que por impulso, e desistiu de esperar pelo ônibus que não passava. Saiu andando, calmamente, aproveitando a música particular que passava por seu fone.
Viu o homem de meia idade sentado a uma mesa de bar, barba por fazer, cabelos desgrenhados e garrafa de cerveja em mãos, servindo seu copo vazio. Sozinho, mas parecia não se importar com a própria solidão. De certa forma, parecia conformado a ela, como se tivesse vivido toda a sua vida naquela mesma mesa de bar, sempre com aquela aparência desleixada, sempre com aquele mesmo copo de cerveja. Sempre sozinho.
Passou por um pai com seu filho no colo. Não devia ter mais que 1 ano, o garoto. Enquanto passava, a criança olhou em seus olhos e sorriu. Um sorriso digno de alguém da sua idade, boca desdentada aberta, com toda a sinceridade estampada nos seus olhos arregalados. O pai, sem perceber, simplesmente continuou andando. Afinal, aquele sorriso já devia ser um lugar-comum para ele. Uma fração de segundo depois, o garoto já estava entretido em alguma outra coisa naquele cenário gigante e estranho que era a cidade. Quem pode culpa-lo?
E continuou andando, não distinguindo mais música e mundo. Uma menina chorava sentada no meio fio ao som de Belle & Sebastian. Quatro garotinhas dançavam Pigeon Detectives pela calçada, enquanto que um casal de idosos caminhava de mãos dadas embalados por Radiohead. Uma mulher vestida de preto usava um lenço para enxigar suas próprias lágrimas dentro de um carro com My Chemical Romance. Um garoto na porta do metrô chegava de viagem com Belchior, enquanto que outro partia com Simon & Garfunkel. Um cachorro se coçava com Raul Seixas, um garoto encostado na faxada de um bar fumava com Libertines, um carro antigo e bem-conservado passeava pela rua com Roberto Carlos, um policial tomava café e ria de um mendigo bêbado com Titãs, em um grupo de amigos um garoto falava alto e tentava ser o centro das atenções com Ecos Falsos. A sua frente, um coração se quebrava com Adriana Calcanhoto. Do outro lado da rua, um jovem se apaixonava à primeira vista com Beatles.

Finalmente chegou aonde queria e tirou os fones.
Deu uma última olhada por cima dos ombros, vendo agora o mundo sem a ajuda dos seus fones de ouvido.
Sentiu o vento bater no seu rosto e sorriu, sem mais a sua trilha sonora particular.

Mas, ainda assim, a música continuava tocando...

2 comentários:

Renatinha disse...

Narrou perfeitamente a beleza de se andar com fones de ouvidos por aí... Incrível como tudo parece diferente a sua volta quando tem música de fundo...
Como você parece andar diferente dependendo do que está tocando.

Tchelo disse...

Nada como o modo random do mp3/ipod neh?

Belo texto!

beijao