domingo, 21 de agosto de 2011

Sobre o futuro.

Thiago Brancatelli é um velho triste de 60 anos, que mora sozinho em um minúsculo apartamento aos pedaços em um endereço que ninguém nunca se importou em anotar.
Sua maior alegria é gritar com as crianças que brincam na rua e com os pássaros que teimam em lhe tirar de seu sono a cada manhã.
Thiago Brancatelli odeia risada, bom-humor lhe embrulha o estômago e sorrisos fazem doer um ponto específico bem entre seus olhos.

Um de seus raros prazeres é sentar em uma mureta da Av. Paulista nos dias cinzentos e chuviscosos, bebendo um copo de café preto e sem gosto do Starbucks e assistindo seu pombo de estimação saltar pela calçada. Seu pombo de estimação, seu único e melhor amigo. Thiago Brancatelli o leva para passear a cada 3 semanas e meia, sempre usando uma coleira e munido de um chicote.
Sente falta dos seus amigos, mas sabe que estão melhor sem ele.

Thiago Brancatelli nunca teve emprego ou namorada.
Nunca teve futuro, odeia o presente e se esforça pra esquecer o passado.

Adora cortar sua barba com lâminas cegas e água fria, adora o som que um inseto faz ao ser esmagado com o dedão contra a parede do banheiro, adora comer comida congelada sem esquentar. Se diverte demais colocando números aleatórios nos Sudokus do jornal do dia anterior e criando palavras sem sentido nas palavras-cruzadas.
Thiago Bracatelli ri sozinho forçando e riscando a ponta do garfo no prato de comida quando janta sentado no chão de sua cozinha.
Gosta de passar horas olhando seu reflexo no espelho à procura de uma ruga nova, acha hilário quando finge conversar com sua própria dentadura e quando assiste ao canal do tempo.

Passa o tempo arrastando barulhentamente seus móveis sem motivo nenhum durante suas madrugadas insones. Quando cansado o bastante, se encolhe em posição fetal no centro do seu quarto, fecha os olhos e murmura alguma canção triste do seu tempo, até pegar no sono.
E nos seus sonhos, Thiago Brancatelli não é Thiago Brancatelli.
Nunca.
E nunca cometeu os erros que cometeu, e não carrega os arrependimentos que carrega. Não sendo Thiago Brancatelli, Thiago Brancatelli torna-se alguém.
Nos seus sonhos, Thiago Brancatelli nunca sonha em não ser Thiago Brancatelli.
Mas os pássaros o trazem de volta ao seu próprio corpo a cada manhã.
Sempre..

E ao passo que o fim se aproxima, mais Thiago Brancatelli entende que morrerá como sempre viveu, sendo quem sempre foi.
E, quase que comicamente, isso coloca um sorriso em seu rosto.


Thiago Brancatelli é um garoto de 25 anos.
Com os melhores amigos, a melhor família que uma pessoa pode ter.

E com todo um futuro pela frente..

.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Chico


Por Brancatelli

Expectativas altas, boatos, opiniões intelectualóides, críticas abalizadas, comparações com o passado, notícias em todos os jornais, revistas e sites..

Um novo lançamento musical do Chico Buarque nunca é apenas um lançamento.
É um verdadeiro evento nacional.

E agora, 5 anos após o lançamento do álbum Carioca, ocupados pela criação do seu quarto romance - o festejado Leite Derramado - e pelo completo desprendimento musical, o compositor lança seu novo e breve disco, o primeiro de sua carreira a se chamar apenas Chico.
Com toda a pompa descrita la em cima, como não podia deixar de ser.

O disco é minimalista em seu nome, músicas, instrumentação e duração (pouco mais de 30 minutos).
Mas conta com canções que podem perfeitamente ser incluídas entre as melhores do músico. Um verdadeiro apanhado de todas suas fases, desde os primeiros sambas até as músicas mais difíceis dos últimos trabalhos.
Um passeio por toda sua carreira.

Chico parece ter alguns temas centrais.
Primeiro é óbvia a influência do seu romance com a cantora Thais Gulin, 36 anos mais nova. A relação entre um homem mais velho e uma garota mais nova é o foco de duas das melhores músicas do disco, o blues "Essa Pequena" e a faixa "Tipo um Baião", que é, tipo assim, um baião. O tema é percebido em "Se Eu Soubesse", com participação da própria Thais Gulin. E o peso da idade também está presente na bem-humorada e nostálgica "Barafunda".
Outro tema, como apontado pelo próprio Chico no making of do álbum (clica la, vale muito a pena), é a própria música. "Rubato" é uma brincadeira sobre uma composição roubada por outros músicos, que colocam a letra que mais lhes convém. "Nina" é uma valsa russa falando da própria valsa russa, assim como a ja citada "Tipo um Baião", com um dos mais lindos versos criados pelo Chico: "Meu coração / Que você sem pensar / Ora brinca de inflar / Ora esmaga / Igual que nem / Fole de acordeão / Tipo assim num baião / Do Gonzaga".
Restam ainda a melancólica "Querido Diário", a triste sequência da música de Tom Jobim "Sem Você nº2", a literária e trágica "Sinhá" e o divertidíssimo samba "Sou Eu", gafieira com a participação de Wilson das Neves.

Vale celebrar a parte instrumental de Chico.
No melhor da filosofia "menos é mais", o que é encontrado são instrumentos muito bem pensados e colocados na música. Impressiona esse cuidado em faixas como "Essa Pequena", por exemplo. Grande parte do mérito deste lançamento se deve a isso.

No final de "Sinhá", última faixa do álbum, Chico canta algo que se parece com seu próprio epitáfio musical:

E assim vai se encerrar
O conto de um cantor
Com voz do pelourinho
E ares de senhor


Com Chico, o compositor nos apresenta sua mais acessível (e talvez sua melhor) coleção de músicas em muito tempo, mostrando que ainda tem muito o que mostrar, calando a boca dos que o davam como acabado e mostrando por que é sim nosso maior compositor.
Esperamos que o conto deste cantor, com voz do pelourinho e ares de senhor, ainda esteja longe, muito longe de acabar.