quarta-feira, 28 de julho de 2010

O Primeiro Dia Do Resto De Suas Vidas


Olhou para o relógio rezando para que algo pudesse impedir aquele momento. Pedindo aos céus para que o tempo parasse, Percebeu o quanto sua prece era em vão ao ouvir o barulho da chave abrindo a porta. Um tremor percorreu sua espinha, e um suor frio brotou em sua testa. Aquele era o momento, simplesmente não dava pra adiar por mais tempo. Um medo incontrolável dominou seu corpo ao ouvir a maçaneta girar e o ranger da porta abrindo. Ensaiou seu melhor sorriso e, de braços abertos, tentou manter a voz o mais calma possível:

- Laura, meu amor? Já em casa?

- Mas é claro, querido... eu me preocupei com o seu tom de voz pelo telefone e vim correndo! Me diga, Luiz Otávio: o que pode ser tão urgente que não pudesse esperar até o jantar?

- Ééé... e-então, meu bem... nós precisamos conversar um assunto de ex-extrema importância – gaguejou, sem conseguir tirar o sorriso sem-graça e sem-motivo do rosto. O que, aliás, contrastava diretamente com as rugas de preocupação que sua esposa expressava. – Sabe, querida... é melhor você se sentar.

- Querido... você nunca me assustou desse jeito antes...

- Pois essa parece ser uma ótima hora para uma primeira vez... – pensou em voz alta Luiz Otávio.

- O que?

- Hmm... certo, meu bem... a parada é a seguinte...

Tudo o que Luiz conseguiu pensar na hora foi: “Meu Deus, mas que péssima escolha de palavras para um momento como este... talvez eu deva ser mais poético, mais dramático... hmm, sim, é isso!!! Drama parece ser o mais apropriado para um momento assim...”

- Luiz Otávio... – a voz de sua mulher já era quase chorosa à essa altura da conversa, o que de certa forma o alegrou... se ela começar o drama, fica mais fácil embalar... – É melhor você me dizer depressa... o que diabos está acontecendo???

- Então, meu amor... – disse Luiz Otávio, enquanto pegava suavemente as mãos de sua esposa. – Eu só queria te dizer que nem o barulho solitário do vento balançando as folhas secas de uma palmeira em uma praia deserta me deixa mais triste do que o que eu vou te dizer neste momento de tamanha dor, melancolia e...

- DESENBUCHA, Luiz Otávio!!!

Ao que parecia, sua veia poética não o salvaria naquele momento.

- Certo... como eu poderia te dizer isso... ?

- Tenta! E vai logo, porque eu já to perdendo a paciência com você!!!

- Querida... você se lembra de quando eu fui viajar para o Rio a trabalho, em dezembro do ano passado?

- Lembro... você passou uma semana lá, para participar de um congresso... O que isso tem a ver com o que você quer me contar?

- Então... lembra que eu te disse que eu não sabia o telefone do hotel para te passar?

- Lembro, Por que, Luiz Otávio?

- E lembra que não ia mais ninguém do meu trabalho, e que na verdade ninguém sabia que eu estava viajando para que não ficassem com ciúmes de eu ter sido escolhido para isso?

- Lembro, Luiz Otávio... lembro de tudo isso!!! – sua voz já era quase gritada nesse momento. – Agora, pelamordideus, quer fazer o favor de me dizer porque diabos você está me perguntando tudo isso?

- Então, querida... o problema é que eu... bem, eu nunca fui para o Rio de Janeiro... nem a trabalho, nem por motivo nenhum!

- O que você está me dizendo, Luiz Otávio?

- O que eu estou te dizendo, meu amor, é que... era tudo mentira! Nunca fui ao Rio de Janeiro assistir a nenhum congresso. Pra falar a verdade, eu nem conheço o Rio de Janeiro. E meu chefe nunca elogiou meu trabalho, nem disse que eu era melhor que os outros. Foi tudo uma grande e descarada mentira!

- Mas... por que, Luiz Otávio? Onde você passou aquela semana? Aquela semana em que você deveria estar no Rio de Janeiro???

- Eu estava... eu estava...

- FALA LOGO, Luiz Otávio!!!

- Eu estava com outra!

- Com outra???

- É... com outra! Eu já te falei da Roberta, minha secretária, não falei... ? Ela é uma garota tão bacana, meu bem, você ia adorar ela! Aredita que ela é voluntária em uma creche que...

- Para um pouco, Luiz Otávio... você está me dizendo que, enquanto eu estava aqui pensando que você tinha ido ao Rio de Janeiro a trabalho, na verdade você estava com essa tal de... essa tal de...

- Roberta...

- ... essa tal de Roberta, se esfregando em algum motel por aí?

- Não, claro que não... Não foi em qualquer motel, não senhora!!! Nova York tem alguns dos melhores motéis do mundo, segundo um guia que eu consultei...

- Nova York???

- É... eu esqueci de mencionar isso? Sabe, a gente quis aproveitar que era temporada de inverno por lá... Eu tinha que ter tirado umas fotos pra te mostrar o quão linda é a neve quando...

- Se concentra no assunto principal, Luiz Otávio... você está me dizendo que, enquanto eu estava aqui pensando que você tinha ido ao Rio de Janeiro a trabalho, na verdade você estava com essa tal de... essa tal de...

- Roberta...

- ... com essa tal de Roberta, se esfregando em algum Motel em Nova York???

- Bem... você falando assim faz tudo parecer mais dramático do que realmente foi...

- Luiz Otávio, eu estou a um ponto de começar a jogar nossa geladeira em cima de você... então não me desafie!!!

- Mas, querida, o que você quer que eu fale? Quer que eu diga se foi bom? Quer que eu diga se foi melhor que com você? É isso que você quer que eu diga???

- Quero!

- Hein?

- Vamos, eu quero saber. Era bom? Era gostoso? Era... melhor que comigo?

- Bom... eu... eu acho que... – o rosto cínico e o tom de voz de Laura o irritava profundamente, mas logo percebeu que não estava em posição nenhuma de se sentir irritado. – Eu acho que eu...

- Vamos, Luiz Otávio... não é uma pergunta tão difícil! Afinal, aposto que é só isso que você pensa toda vez que estamos na cama! Algo do tipo “hmm... acho que a Roberta faria isso melhor...”!

- Mas claro que não, Laura... que idéia... – nesse momento, uma mancha rubra coloriu discretamente o rosto de Luiz Otávio. – Você sabe que nosso sexo é ótimo, não tenho nem como comparar...

- Então compara agora! Quem sabe você não descobre que está perdendo tempo comigo! Fala... como era com essa tal Roberta???

- Tudo bem, então... eu vou te dizer!!! Ela simplesmente não era NADA comparado a você!!! Você é perfeita, em todos os sentidos da palavra!!! Essa outra mulher jamais vai conseguir ser nem o chão em que você pisa! Aliás, ela não conseguiria nem limpar o chão antes de você pisar, tamanha a inutilidade dela em relação a você! – sentiu a voz ficar um pouco mais alta que o aceitável, mas ao ver o rosto espantado de Laura, tomou a arriscada decisão de continuar. – Você é a única coisa no mundo que me interessa, Laura, a única coisa pela qual eu realmente me preocupo. Eu não sou nada sem você, e você sabe disso. Aliás, todo mundo sabe disso! Eu simplesmente não te mereço, e é por isso que eu tenho tanto orgulho de te ter na minha vida...!

Em outras ocasiões, teria sentido vergonha por seus olhos se encherem de lágrimas, mas não daquela vez.

- Eu sei que não tenho perdão por ter te traído, mas antes que você vire as costas para mim, saiba apenas que... eu te amo! Por tudo o que é sagrado, eu te amo demais, Laura!!!

Um silêncio mórbido invadiu a sala por alguns segundos, antes de Laura desabar em choro:

- Eu... eu também te amo, meu querido!!! Sei que eu devia te odiar, mas depois dessas palavras, isso é simplesmente impossível!!! Vamos simplesmente esquecer tudo isso, vamos recomeçar do zero... porque eu também não agüentaria te perder!!!

E então, os dois se encontraram em um beijo. Não um beijo comum, como os que trocavam todos os dias, mas um beijo único, excitante, mágico, eterno...

- Ah, Luiz... prometa que nós nunca mais vamos discutir assim...

- Eu te prometo, minha princesa... esse é o primeiro dia do resto das nossas vidas!

- Mas então me diga, meu amor... o que te fez confessar isso logo agora, meses depois de ter acontecido?

- Na verdade, a Roberta ligou ontem... Disse que meu filho nasceu faz quatro dias, e ela vai entrar na justiça para receber uma pensão. Laura, por que essa cara? Eu não comentei que eu tinha engravidado ela? Nossa, como eu sou esquecido... querida? Querida, quer fazer o favor de largar essa panela... Meu amor, você vai acabar me machucando assim... Ai... pára, meu docinho de coco... Não, não, por favor, não faz isso... tira essa tesoura de perto da minha camisa do Palmeiras assinada pelo Ademir da Guia.... Aii, não era para atirar a tesoura em mim, poxa... Pois é você quem vai lavar o sangue depois, viu!!! Nãããão, eu tava só brincando, amor... não brinca assim com a caixa de fósforos, a minha coleção de selos é inflamável... NÃÃÃÃÃÃÃÃOOO...

Ninguém escutou os gritos de dor de Luiz Otávio naquela noite. Aquela noite fria de setembro. Aquela que foi a primeira noite do resto da sua vida...

Do resto de sua vida de solteiro...!

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3 comentários:

Douglas Funny disse...

hehehehehehehehehe

eu pensei q ela fosse partir pra agressão logo depois de saber q ele esteve com outra, num imaginei a parte de reconciliação.

...é o Cícero?!

Renatinha disse...

Pois se fosse comigo, tinha partido para a agressão e resultaria em morte.

Unknown disse...

Parece uma cena de friends, com o Joey.