segunda-feira, 11 de julho de 2011

Maus


Por Brancatelli.

"Toda palavra é como uma mácula desnecessária no silêncio e no nada."

A frase, do escritor irlandês Samuel Beckett, é citada em uma conversa entre o desenhista Art Spiegelman e seu psiquiatra, cena real presente na sua HQ biográfica Maus ("ratos", em alemão), publicada em 1991.

A obra, inicialmente criada para contar a história de como seu pai, Vladek Spiegelman, sobreviveu aos horrores da Segunda Guerra e ao campo de Auschwitz, acabou se transformando num relato do difícil relacionamento entre pai e filho.
Mais que isso, em um acerto de contas do autor consigo mesmo e com seu passado conturbado.

Mesmo retratando os judeus como ratos e os alemães como gatos, Spiegelman humaniza seus personagens de uma maneira extremamente sóbria. Do soldado nazista ao povo polonês (retratado como porcos), dos informantes traidores até seu próprio pai, o estereótipo do judeu mesquinho, pão-duro e racista.
Não existem heróis perfeitos, o que existe são seres-humanos, tão imperfeitos e cheios de falhas que é impossível não reconhecermos a nós mesmos.

Em Maus não existe a idealização.
Apenas a realidade.

Alternando a história de seu pai à sua própria, Art tenta justificar a difícil figura do pai, moldada pela Guerra, pela perseguição, pelas perdas e pelo suicídio de sua esposa.
Desse modo, Art acaba tentando justificar suas próprias ações. Em certo momento, o autor percebe que, no fundo, ele sempre competia com a lembrança de seu irmão, morto na Guerra antes mesmo de seu nascimento, e que tudo o que ele carregava disso era culpa. Culpa por não ter passado pelo que seus pais passaram, culpa por ter sobrevivido ao seu irmão, culpa por não conseguir entender o sofrimento de se estar preso em um campo de concentração, de passar fome e estar às portas da morte, culpa por se sentir explorando a tragédia do Holocausto em sua obra, culpa pelo seu próprio sucesso.
Enquanto relata a história de seu pai, Art liberta todos seus traumas psicológicos.

"Toda palavra é como uma mácula desnecessária no silêncio e no nada."

Tentar definir o horror do Holocausto nazista é uma tarefa impossível, mesmo para quem sentiu suas marcas na própria pele. Pior ainda seria tentar entendê-lo.
Na conversa onde essa frase é citada, Art é questionado por seu psiquiatra do porque de existir tantas obras sobre o Holocausto, se ainda assim as pessoas não mudaram.
Maus não tenta explicar o que aconteceu, e tão pouco justificar. A obra apenas mostra, em uma leitura pesada e perturbadora, as profundas cicatrizes que tudo aquilo deixou em seus sobreviventes, seja nos diretos quanto nos indiretos.
Não importa os culpados, apenas as vítimas.

A ilimitada maldade humana não é algo compreensível.
E qualquer tentativa de representá-la acaba sendo apenas uma mácula desnecessária no silêncio, que por si só já diz muito mais.

Mas conseguir transformá-la em arte?
Isso sim é admirável.

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Um comentário:

Odair Junior disse...

http://subverdades.blogspot.com/