segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Lembranças e Tradições


Era sempre a mesma coisa.

Todo ano, na semana do dia 25 de dezembro, eu ia com meus pais e meu irmão para Águas de Lindóia, passar o Natal com meus tios e avós.
A casa dos meus avós era grande, quintal pra jogar bola, piscina, não tinha lugar mais divertido no mundo.
Mesmo depois que meu avô morreu, era pra la que eu ia, era la que eu passava boa parte das minhas férias. Muitas vezes só eu, minha vó e meu tio. Lembro que eu acordava as 6 da manhã, tomava café e saia a pé em direção à banca de jornal comprar minhas revistas em quadrinhos. Na volta, eu enfrentava uma subida interminável até enfim poder deitar esticado no sofá pra assistir desenho animado. De tarde, depois do almoço, eu ia pela cidade com meu tio num fusca barulhento (o Oscarzinho), e a rotina era sempre a mesma: depois do meu tio fazer o que tinha que fazer, a gente jogava sinuca na rodoviária e depois passava na padaria, onde ele sempre me comprava uma Ruffles e uma latinha de Coca. Aí era jantar, TV, partidas de buraco e depois eu ficava lendo e ouvindo música, deitado na cama no quarto da minha avó, até o sono chegar.

Ah, mas o Natal era especial pra gente.

Noite do dia 24, família toda reunida, arrumada. Na sala ficavam vários potes com amendoins e salgadinhos, e eu assistia ao filme que estivesse passando antes da ceia começar (por algum motivo, sempre passava O Exterminador do Futuro 2). Daí depois eu comia até o botão da minha calça pular pra fora e esperava ansioso até que todo mundo já estivesse satisfeito pra que pudesse começar o grande momento da noite: a entrega dos presentes.
E era então que minha noite estava feita.

Isso durou cerca de 17 anos.

Em 2003 (ou 2004, a data me foge agora), minha vó foi internada.
O que eu lembro é da visita no hospital, quando pela primeira vez eu vi ela tão pequena, tão frágil. A situação inimaginável que, hora ou outra, acaba chegando. E você precisa segurar seu coração pra mante-lo no peito.
Mas ela saiu daquela cama de hospital, ainda que mais fraquinha, mais cansada. E apesar de estar bem, não daria pra manter a casa de Águas de Lindóia. E ela e meu tio se mudaram pra um pequeno apartamento em Serra Negra.

Ainda assim a tradição continuou.
Iamos para la, mas ficávamos só do dia 24 pro dia 25. Não importava, o que importava era estar la. De noite, jantávamos na casa da minha tia-avó e trocávamos presentes. A rotina parecia a mesma, ainda que em um cenário diferente.
Mas não importava. O que importava estava la, como sempre esteve.
E eu não podia pedir por mais nada.

Neste ano eu não vou pra Serra Negra.
Nem pra Águas de Lindóia.
Minha avó não aguenta mais a empolgação de uma noite de Natal, não aguenta grandes refeições de noite, não aguenta esperar acordada pela troca de presentes. A idade pesa cada vez mais no corpo, ainda que a cabeça se recuse a admitir.

E, mais uma vez, eu me deparo com a inevitalidade de que minha vó não estará pra sempre por aqui.

As lembranças são facas de dois gumes.
Lembrar da felicidade que era passar um mês inteiro de férias em Águas de Lindóia me machuca. Lembrar de como era gostoso sentar na mesa de jantar, só eu, minha vó e meu tio, conversando sobre qualquer bobagem, me abre uma ferida grande no peito, e me tira o ar, e enche os meus olhos de lágrimas que eu tento segurar. Saber que isso só existirá na minha memória me obriga a ver que, talvez, o melhor da minha vida já tenha passado sem eu me dar conta.

Mas, ao mesmo tempo, percebo que a dor no peito é só meu coração batendo mais rápido. E que a perda de ar é um suspiro alegre pelo que eu vivi. E que a maior parte das lágrimas não são de tristeza.

Neste ano, vou passar o Natal aqui em casa, mesmo.
Mas eu sei que, ainda que longe, meus tios e meus avós vão estar comigo.
Porque a lembrança que eu tenho eles também têm, e sei que eles vão se agarrar a ela como eu me agarro à minha.
E sentados à mesa da ceia, eles estarão todos do meu lado, como sempre estiveram.

A mesma rotina.
Apenas um cenário diferente.

Quem sabe eu até alugo Exterminador do Futuro 2...


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3 comentários:

Marcelo Macedo disse...

Belíssimo texto, Branca!

E pude notar que vc nao mudou muita coisa de criança pra cá... continua lendo quadrinhos, vendo desenhos animados, comendo ruffle, tomando coca-cola e viciado em jogos. hahahah =)

Beijão e se não nos falarmos, feliz natal pra vc tb!

Jean Failaz Alexandre disse...

Feliz Natal, Rapaz! Sempre me divirto com seus textos. Dessa vez, a emoção tomou conta, ainda mais numa época em que já estamos todos emancipados de estusiasmo por conta desse aclamado feriado mundial. Desejo o melhor pra você, pra Renatinha e um abraço de uma criança (de 16 anos, hehe) carioca.

Renatinha disse...

O bom é poder lembrar que existiram coisas boas.