terça-feira, 17 de janeiro de 2012

RIP

Por Brancatelli


Algo morreu.

Sei porque eu sinto nos meus ossos, na minha pele.
Eu sinto na minha cabeça, cansada.
Sinto na minha alma.

Sem causa e sem consequência.
Sem drama e sem barulho.
Sem nota no jornal.
Sem lágrimas.

Algo morreu.
E ainda que eu tente, é impossível ignorar.

Deitada em uma poça de sangue e tristeza, jaz minha infância.

Morreu em idade avançada, muito mais tempo do que qualquer infância deveria sobreviver.
Morreu esquecida, abandonada, empoeirada, castigada pelo desdém.
Pode ter morrido faz tempo, mas eu só percebo agora.

Mas sei que, há pouco, ela ainda estava aqui.
Agora não esta mais.

Sei que esteve aqui, sim, pois ela me ensinou tudo o que eu precisava saber.
(não tudo o que eu SEI, mas tudo o que eu PRECISAVA saber)
Sobre formigas, sobre cachorros, sobre pessoas.
Sobre o mundo, sobre o universo.
Sobre histórias.

Sobre tudo aquilo que deveria ser esquecido, mas não foi.
Que deveria dar lugar a outras coisas, mas não deu.
Deveria morrer, mas não morreu.

Mas ela morreu.

Foi morta pelo tempo.
Foi morta pela idade.
Foi morta pela razão.

Foi morta pelo desleixo, pela distância, pelo querer e pelo não-querer.
Foi morta pela vontade, pela necessidade, pela adversidade
Foi morta pelo desprendimento, morta pela pretensão.
Foi morta pelo acaso, e pelo descaso.
Foi morta pelo ser e pelo não ser.

Foi morta por todos vocês.
Foi morta por mim.

Eu matei minha infância.

Não matei com uma pedrada.
Matei pelo esquecimento.
Esta sim a forma mais cruel.

Mas sei que, ainda que morta, ela não me abandona.
Porque tudo o que ela me ensinou esta incrustado em mim.
Marcado dolorosamente a ferro quente, como tatuagem, onde ninguém pode roubar, ninguém pode alcançar.

Ninguém além de mim.

E é para la que eu vou.
Sempre que eu pensar em formigas, em cachorros, em pessoas.
Sempre que eu pensar no mundo, no universo.

Sempre que eu pensar em histórias.

É pra la que eu vou..

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